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Persistir em nossos pontos de vista pode ser prejudicial ao nosso desenvolvimento pessoal, profissional e espiritual e como mindfulness pode nos ajudar a superar isso. 

        Entender como a nossa mente vê e interpreta o mundo é um dos primeiros ensinamentos que aprendemos a observar e a perceber quando começamos a meditar e desenvolver mindfulness (consciência plena): um estado ou traço mental, presente em todos os indivíduos, relacionado à capacidade de estar atento, intencionalmente, ao que acontece no momento, com abertura e curiosidade, aceitação e sem julgamentos. 

 

        Mindfulness nos ajuda a perceber que a nossa percepção de mundo é uma mera construção da nossa mente. Quer dizer, aquilo que vivenciamos de fato não é a realidade, embora nós sempre acreditemos ou duvidemos que seja.  

 

        A verdade científica (filosófica e psicológica) por trás disso é que não conhecemos o mundo objetivamente. Estamos sempre interpretando o que vemos, ouvimos, cheiramos, sentimos e degustamos de acordo com as nossas experiências anteriores. Diante disso, procuramos criar histórias para dar certo sentido racional aos nossos comportamentos.  

 

        Quanto a isso, o neurocientista António Damásio [1] observou que: 

 

        Se nossos organismos fossem desenhados de maneiras diferentes, as construções que fazemos do mundo que nos rodeia seriam igualmente diferentes. Não sabemos, e é improvável que alguma vez venhamos a saber, o que é a realidade.  

 

        Sendo assim, se cada organismo interpreta o mundo segundo os seus sentidos, por mais que alguns possam pensar o contrário, ninguém saboreia a mesma fruta (como também não vê a mesma paisagem, escuta o mesmo barulho e assim por diante) da mesma forma. O sabor experimentado por você, por exemplo, é formado, além das sensações próprias do paladar, por imagens, lembranças e prazeres refletidos e sentidos no corpo e interpretados pela mente. Portanto, as experiências que trazemos é quem moldam a nossa forma de ver as coisas ao nosso redor, ou seja, é o nosso passado quem, em regra, governa o nosso presente.  

 

        A cada nova experiência aquilo que antes pensávamos ser uma realidade pode até mesmo se transformar em outra coisa completamente diferente.  

 

        E essas situações ou experiências estão mais perto de nós do que imaginamos!   

        Você mesmo já deve ter conversado com um colega sobre determinado fato que lhe ocorreu e, após expor a situação, ele interpretá-la de forma completamente diferente da sua ou até mesmo com opinião oposta.  

 

        Consegue se recordar de uma situação como essa?  

 

        Também têm aquelas situações relacionadas a temas com forte viés emotivo e que por isso geram discussões acirradas tais como: futebol, religião e política.  

 

        São matérias tão quentes que é comum ouvirmos a afirmação: “Futebol, religião ou política não se discute.”  

 

        Bem, só há discussões (para não falar de brigas) porque não se dialoga, tendo em vista a presença de fortes barreiras à comunicação criadas pelos próprios interlocutores, que estão permanentemente na defensiva disputando acirradamente pelos os seus pontos de vista e, muitas vezes, ainda, elevando-se como superior aos outros e vice-versa.  

 

        No seu caminhar, acredito já ter percebido (ou talvez nem tenha se dado conta ainda, mas ainda há tempo) nas relações familiares, sociais e laborais, diversas situações demonstrando que muitas das respostas que procuramos como certas ou erradas não passam de vã ilusão.  

 

        A vida não é tão simples assim! 

 

        Diante da complexidade da existência, não se pode crescer pessoal, profissional e espiritualmente, nem vislumbrar soluções inovadoras aos problemas e desafios impostos pelo presente, simplesmente olhando para eles por meio de análises ou opiniões de certo ou errado, bem ou mal, melhor ou pior, preto ou branco, nós contra eles ou vice-versa.  

 

        Como bem observou Tina Seelig [2], diretora do Programa de Empreendimentos Tecnológicos da Universidade de Stanford, a vida não acontece como se estivéssemos numa sala de aula onde nosso aprendizado é medido por meio de provas com questões de múltipla escolha em que só há uma resposta certa para cada pergunta. Pelo contrário, para a maior parte das situações que enfrentamos há uma infinidade de respostas para cada pergunta, muitas das quais estão certas de alguma maneira.  

 

        Não podemos ainda esquecer de que errar também faz parte do aprendizado!  

 

        Os erros nos ensinam porque nos incomodam, nos forçam a ir mais além, nos faz parar, pensar, refletir e procurar novas soluções. Os acertos, infelizmente, não geram essa infinidade de experiências porque não nos tira do conforto.  

 

        Logo, se aceitarmos que a vida não é uma enorme prova de múltipla escolha, precisamos urgentemente aprender a dialogar ao invés de discutir. Construir certa abertura em relação ao outro e às vezes, até ao desconhecido ou ao incerto é o caminho para inovação em todos os sentidos: pessoal, familiar e profissional. 

 

        Vamos errar, sim! É óbvio. Viver é assim! 

 

        Aprender com os erros requer mudança de atitude: reconhecer nossa humanidade e   falibilidade, a nossa própria imperfeição e, por isso mesmo, saber que sempre podemos melhorar. 

 

        Sendo assim, dialogar significa aqui a troca de ideias e experiências com empatia e respeito pelo outro. Significa que temos algo a compartilhar ou contribuir, que une e nos torna maior e melhor apesar das diferenças. É doar parte do seu tempo para escutar de forma sincera e compreender as necessidades do outro. Doa-se daqui, doa-se de lá. É como construir uma ponte entre duas formas de ver o mundo visando trilhar uma estrada comum.   

 

        Porém, quando nos apegamos firmemente aos nossos pensamentos ou pontos de vista torna-se impossível construir pontes. E elas não se referem somente àquelas entre pessoas ou ideias, dizem respeito também ao nosso próprio crescimento pessoal.  

 

         Em tempos de globalização, redes mundiais de computadores, redes sociais e o que ainda estar por vir de inovações decorrente das tecnologias de informações e comunicações, manter se aferrado a pontos de vista ou nos fecharmos ao diálogo não parece ser racional nem mesmo inteligente. Comportar-se dessa maneira pode levar à construção superficial de relações, a redes de contatos restritas e à autorreferencia: um caminho para o isolamento e para a entrada de transtornos relacionados à ansiedade e depressão.  

 

        É importante perceber aqui o porquê do perigo de nos apegarmos firmemente aos nossos pensamentos e às nossas análises críticas internas, diga-se: pontos de vista. 

 

        Note, não estamos dizendo que não possamos ter uma opinião ou desenvolver uma linha de raciocínio válida. Isso é legítimo e importante. Todavia, precisamos desenvolver certa sensibilidade para perceber e reconhecer que o(s) outro(s) também existe(m).  Suas histórias, opiniões, teorias, percepções, sentimentos etc. precisam ser levadas em consideração da mesma forma que gostaríamos que fossem as nossas.  

 

        Outras janelas pelas quais se olha para a realidade também são possíveis. E a nossa janela é só mais uma. Embora diversa, nem melhor, nem pior, diferente! 

 

        Diante desse contexto, desenvolver mindfulness ou a atenção consciente do momento presente pode nos ajudar a perceber o outro e, com isso, aprendermos a construir diálogos e a abrir caminhos para a inovação e a criatividade. 

 

        Quando falamos que mindfulness ou consciência plena é um estado mental que nos possibilita a abertura à nossa própria experiência, com aceitação e sem julgamentos, não significa sermos passivos ao que nos acontece. Muito pelo contrário, nos torna ativos diante dos desafios impostos.  

 

        A abertura pode nos ajudar a ver com os olhos do outro, a termos empatia, a olhar as possibilidades além das nossas próprias; a construir com o outro, a adotar ações mais claras porque temos diante de nós um cenário mais amplo frente às diversas perspectivas; a perceber quais são as barreiras internas (medos, receios, dúvidas, inseguranças, raivas etc.) que nos dificultam a comunicação e nos tornam aversivos ou relutantes em relação ao outro.  

 

        A importância de conceber esse olhar é porque muitos dos pensamentos e dos comportamentos que temos serem automáticos.  

 

        O desenvolvimento da atenção consciente nos ensina a construir um espaço entre o impulso e a ação: ao invés de simplesmente reagir, aprendemos a responder, reconhecendo que existem outras opções.  

 

        Mudar comportamentos, embora seja um empreendimento que exija esforço e persistência, também pode ser libertador!  

 

        Porém, precisamos incorporar e exercitar a perspectiva de que somos seres em movimento, em contínua mudança. Não somos hoje quem fomos ontem, nem seremos amanhã quem somos agora.   

 

        Somos a própria mudança em pessoa, quer aceitemos ou não, conforme descreveu David Eagleman sobre essa verdade na perspectiva da neurociência [3]:  

  

        Todas as experiências em sua vida, de uma simples conversa a toda a sua cultura, moldam os detalhes microscópicos de seu cérebro. Do ponto de vista neural, quem você é depende de onde você esteve. Seu cérebro muda incansavelmente, reescreve de modo constante os próprios circuitos – e, como as experiências que você teve são únicas, os padrões vastos e detalhados de suas redes neurais são igualmente singulares. Como essas redes mudam incessantemente por toda a sua vida, a sua identidade é um alvo móvel, que jamais atinge um ponto final.  

 

        Portanto, as experiências que acumulamos ao longo da nossa vida nos leva a constante mudanças de percepção de mundo. Apesar da verdade da impermanência – de que tudo está em contínuo movimento, em permanente vir a ser, em perpétua transformação –, independentemente de onde estivermos na nossa história cronológica, ainda manteremos alguns hábitos, embora possamos sempre abandonar alguns e criar novos.  

 

        Se temos a intenção de construir pontes que facilitem o nosso desenvolvimento pessoal e profissional, o aprendizado contínuo é uma premissa da mesma forma que o exercício do diálogo que, em sentido amplo, não está restrito à relação entre pessoas. Ele também acontece entre você e um bom filme, um bom livro, um ambiente agradável, um animal de estimação, uma obra de arte, uma paisagem etc.   

 

        Como esse processo dialógico começa na nossa mente, precisamos aprimorar a nossa capacidade de presença, gentileza, abertura e empatia pelo o outro, para o novo. 

 

        Logo, compreender como a nossa mente funciona nos ajuda a perceber e a prevenir-se das armadilhas criadas pelos nossos pensamentos, sentimentos e emoções que impedem o nosso crescimento.  

 

        É por isso que aprender a remar coordenadamente o barco da mente em todos esses aspectos da existência é uma arte que enriquece sobremaneira a nossa viagem pelos rios da vida.  

 

        Nesse sentido, as práticas de consciência plena (mindfulness) são as ferramentas tecnológicas mais atuais (embora surgidas a mais de 3000 anos) de desenvolvimento pessoal que nos permitem aprimorar as engrenagens e a potência desse barco. 

 

Referências 

[1] SEELIG, Tina. Se eu soubesse aos 20 ...: Lições para ser bem-sucedido em qualquer idade. São Paulo: Editora da boa prosa, 2011. pgs.21-22. 

[2] DAMÁSIO, R. António. O erro de descarte: emoção razão e o cérebro humano. 3ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. p. 103. 

[3] EAGLEMAN, David. Cérebro: uma biografia. Rio de Janeiro: Rocco, 2017.  

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