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Meditar aprimora o nosso poder de decisão e ajuda a mudar comportamentos e hábitos

A meditação da consciência plena (mindfulness meditation) pode ajudar a aprimorar  o nosso poder de decisão e a mudar comportamentos e hábitos 

 

A meditação é uma prática de treinamento mental, de educação da nossa mente – onde tudo começa.

 

Por esse motivo iniciamos com uma breve incursão  sobre as duas formas de  processamento da mente (consciente e inconsciente) para, em seguida,  entendermos como a meditação se inclui nesse contexto e pode nos ajudar a aprimorar o nosso poder de decisão e a mudar comportamentos e hábitos.  

 

Como a mente processa informações: o processamento consciente e o inconsciente 

 

O nosso processamento mental consciente trabalha a maior parte do tempo  fundamentado no processamento mental inconsciente. Enquanto o inconsciente trabalha com base nas nossas crenças, experiências prévias, culturas, hábitos  e memórias, a mente consciente, daquilo que recebe do inconsciente, faz uma seleção, interpreta e nos apresenta um resumo  da “realidade” externa pela ótica interna. É fundamentalmente com base nessa síntese que agimos ou reagimos. 

 

O processamento consciente é mais lento porque é mais elaborado, racional e  cauteloso. Ele se utiliza da linguagem e consome mais energia.  

 

Por outro lado, o processamento inconsciente é autônomo, mais rápido, econômico e eficiente. E como está ligado aos nossos hábitos, é impulsivo e motivado pelas  emoções.  

 

Percebemos, ou melhor, “sentimos” essas duas formas de processamentos mental quando estamos diante de situações conflituosas. Por exemplo, sabemos que comer alimentos com açúcar engorda, mas, perante um docinho, algo nos leva a comê-lo apesar desse conhecimento. Da mesma forma, sabemos que precisamos fazer exercícios físicos diariamente para manutenção de uma boa saúde, todavia, quando chegamos em casa depois do trabalho, geralmente ligamos a televisão e atacamos a geladeira.  Essas situações ilustram que, entre o que sabemos ser racionalmente  o melhor e o que fazemos de fato, existe uma lacuna no comportamento que é difícil de preencher.   

Essas dificuldades ocorrem porque a nossa mente funciona como se tivéssemos dois cérebros ou dois “Eus” internos competindo literalmente entre si: um sendo responsável pela razão e o outro pelas emoções e impulsos. Algumas religiões até se utilizam das denominações luz e escuridão, anjo e diabo, bem e mal para tentar descrever esses conflitos internos existenciais.

A parte inconsciente é predomina a maior parte do tempo. É quem nos dirige de fato. Ela nos coloca no piloto automático tornando a vida mais fácil. Imagine ter que pensar como caminhar toda vez que precisar ir até a cozinha para tomar um copo d’água ou fazer um lanche.  Andar acontece de forma instintiva. Não precisamos  avaliar previamente as instruções necessárias para andar.  

 

Simplesmente fazemos isso posicionando nossos pés de forma a manter o equilíbrio e a sincronicidade dos passos. Bem, já levamos muitas quedas na infância até aprendermos a andar.  

É mais econômico e simples, depois que aprendemos alguma habilidade nova, não precisar mais pensar nela nem como executá-la, pois, se torna simplesmente  automática. Uma vantagem a nós dada pela evolução biológica.  

A parte consciente parece ter um papel secundário porque só é convocada quando necessária. Podemos fazer uma analogia com o comandante de avião.

Durante o voo é o piloto automático (a mente inconsciente) quem coordena e controla a maior parte dos sistemas e comandos necessários para manter o avião em rota, e não o comandante.  

 

Por exemplo, ele pode verificar as informações dos aparelhos tomando um café ou conversando com o copiloto. Entretanto, em momentos de turbulências ou dificuldades, como se exigem decisões além das disponíveis aos sistemas, é a capacidade de análise racional do comandante  que entra em ação. A sua atitude pensada é que será decisiva para contornar as dificuldades do momento.  

É por isso que a mente consciente é mais comedida e lenta, porque o trabalho que ela se enreda se relaciona com o planejamento e a interpretação de dados e informações. 

Por outro lado, a mente inconsciente é mais espontânea e muitas vezes acaba por revelar os nossos hábitos, impulsos e pensamentos até mesmo sem a nossa autorização. 

Richard Daft [1] utiliza duas metáforas para descrever esses dois sistemas: a do executivo interior ou CEO, para se referir à nossa mente consciente; e a do elefante interior, para simbolizar a força dos sistemas e hábitos inconscientes.  

Na interação entre esses dois sistemas o elefante sempre leva vantagem informacional em relação ao executivo. Isso ocorre porque boa parte do conteúdo das decisões conscientes depende diretamente de informações trazidas pelo elefante interior. E as informações a que o executivo interior têm acesso não são completas, são partes de um todo maior no qual a consciência não tem acesso.   

Logo, a história contada por nós é sempre uma síntese do que se passa internamente. Em consequência, as escolhas que fazemos diante do contexto e que irão influenciar a nossa tomada de decisão sempre refletirá uma meia verdade porque [2]:  

Os seres humanos não podem saber, pela introspecção, o que de fato ocorre nos seus diversos processamentos cognitivos. Não temos acesso ao conteúdo dos processamentos inconscientes e, portanto, não podemos relatar o que neles está se passando. A consciência, aflora uma fração de possibilidades de interpretação do que está ocorrendo no mundo interior.

 

Contudo, o processamento consciente formula teorias e constrói uma narrativa sobre as razões de nosso comportamento.  

Sendo assim, se não temos acesso ao inteiro teor dos conteúdos internos de nossa cognição, nossas decisões e comportamentos, por mais que possamos pensar o contrário, não são inteiramente racionais e nem inteiramente conscientes.  

Pera aí!  

Você está dizendo que não temos total autonomia sobre as nossas escolhas ou decisões? Que a minha escolha não é uma escolha, é uma meia escolha? Se eu decido comprar um lanche ou qualquer outra coisa não é a minha vontade, é uma meia vontade?  Se eu passar de carro num sinal vermelho não poderia então levar uma multa porque eu não teria total consciência disso?

Bem, a resposta não é totalmente sim, nem totalmente não. 

 

Isso porque não ter total acesso a todas as informações inconscientes não nos torna livre de responsabilidades sobre os nossos atos. Quando a isso, Frank Amthor [3]  observa: 

 

A responsabilidade decorre do fato de que o momento de decisão consciente antes da ação conjura memórias e processos de pensamento racionais que envolvem todo o cérebro e nos permitem fazer alguma previsão das consequências do que estamos prestes a fazer. (...) 

Mas então o processo de veto [de decisão] (...) é realmente consciente? Sem tentar definir a própria consciência, o que os pesquisadores dizem é que o processo de veto ativa grandes áreas cerebrais e que você está consciente disso. Como essa atividade contínua alcança sua consciência, a “escolha” — ou seja, a ação não inibida — é informada pelo seu histórico, que inclui suas experiências, suas memórias e seus valores. Só isso não significa que qualquer decisão que você faça seja realmente “livre”, mas é uma escolha informada, em vez de subconsciente ou reflexiva, na qual você pesa alternativas e seus custos e benefícios. 

 

Então, por mais que não tenhamos acesso a todas as informações oriundas do nosso elefante interior, as nossas experiências prévias, os nossos valores morais e culturais geram memórias, imagens e contextos internos que permitem ao nosso cérebro construir hipóteses de ação e prever as consequências decorrentes delas.  

 

Apesar disso, nossas ações também podem vir temperadas com pitadas de consciência. E a prática da autodisciplina (ou autocontrole) e introspecção podem  nos ajudar a melhorar a habilidade de fazer boas escolhas. [3] 

Portanto, embora o processamento mental inconsciente exerça peso considerável na nossa conduta, ele não é totalmente determinante! Existe sim um espaço de consciência a ser resgatado para aprimorar nossas ações.  

 

Isso é uma boa notícia porque reflete a compreensão de que não existem limites para o nosso autodesenvolvimento. Sempre podemos melhorar nossos comportamentos e hábitos. E é aqui onde entra o autocontrole.  

 

O que é o autocontrole? 

 

O autocontrole (ou controle inibitório) se relaciona com a nossa capacidade de inibir ou superar comportamentos inconvenientes (manifestar opinião em conversas ou reuniões em momentos inoportunos, medo de falar em público, insegurança diante de pessoas desconhecidas etc.) ou que trazem consequências desagradáveis no longo prazo (agir com base na emoção do momento com raiva ou fúria e sem levar em consideração as consequências futuras desses atos).  

 

Mais especificamente, o autocontrole reflete a nossa capacidade de resistir à uma tentação para poder fazer aquilo que achamos ser a melhor opção.  

 

O autocontrole integra diversas funções cerebrais executivas (ou simplesmente funções executivas) representativas de processos cognitivos que dão suporte à regulação dos pensamentos, das emoções e dos comportamentos diante de  conflitos ou distrações. As nossas habilidades de planejar, avaliar, fixar metas, bem como adaptação e flexibilidade diante de situações desafiadoras são mediadas por essas funções. [4] 

 

O autocontrole é análogo ao nosso executivo interior, o CEO da mente, responsável pela coordenação das nossas ações e decisões conscientes. Isso é possível porque as características do autocontrole se correlacionam quase que perfeitamente com a função executiva comum: a habilidade de mantermos ativamente os objetivos da  tarefa e a informação relacionada e usá-los para influenciar de modo efetivo o processamento inconsciente – nossos hábitos e impulsos. [5] 

 A meditação consegue aprimorar o nosso autocontrole porque atua sobre seus três componentes: o controle da atenção, a regulação da emoção e a autoconsciência. Vejamos então como. 

Meditação e autocontrole 

Em um artigo de revisão publicado na Nature Reviews Neuroscience os neurocientistas Yi-Yuan Tang, Britta Holzel e Michael Posner [6] demonstraram que a prática da meditação da consciência plena (mindfulness meditation) contribui para o aprimoramento do nosso autocontrole: o controle da atenção, a regulação da emoção e a autoconsciência. 

Componentes do autocontrole aprimorados pela meditação da consciência plena [6] 

A meditação da consciência plena aprimora a qualidade da nossa atenção (controle atencional) porque nos ajuda a manter o foco nas tarefas mesmo diante de distrações. Melhora a regulação das nossas emoções (regulação emocional) porque contribui para reduzir a interferência emocional oriunda de estímulos desagradáveis. 

 

Ainda, reduz a intensidade do estresse porque ajuda a diminuir a nossa reatividade fisiológica em relação aos agentes estressores – em consequência, a pessoa consegue retornar mais rapidamente ao seu equilíbrio emocional normal. [7] 

A autoconsciência, que se relaciona com a consciência do "eu" ou metaconsciência (a consciência da percepção da experiência), tem como objeto de atenção o nosso estado corporal interno (interocepção) e mental (consciência).  A prática da meditação da consciência plena aprimora a metaconsciência porque ensina a nos  distanciar dos nossos próprios pensamentos e dos processos que os envolvem (aqueles diálogos internos intermináveis), facilitando a abertura e a aceitação dos pensamentos, das emoções e sensações. [7] 

O distanciamento assim propiciado pela metaconsciência, de estarmos ciente dos nossos processos internos (autoconsciência), nos ensina a ser um observador de nós mesmos. A autoconsciência nos torna mais vigilantes em relação aos fenômenos internos intermediados pela mente e pelo corpo; nos leva a perceber que os  pensamentos, as emoções e as sensações são estados passageiros,  não refletem a nossa identidade e não precisamos nos identificar com sendo eles.  

Em suma, os três componentes do autocontrole, o controle da atenção, a regulação da emoção e a autoconsciência, podem ser aprimorados por meio da meditação da consciência plena tornando essa prática uma importante aliada ao nosso desenvolvimento pessoal.   

E como se ligam essas experiências propiciadas pela meditação ao nosso poder de decisão?  

A meditação amplia a conexão entre o executivo interior e o elefante interior.

 

Essas experiências sentidas no corpo e na mente propiciadas pela autoconsciência  geram e revelam “novas” informações sobre a nossa forma de atuar no mundo.  Nos alertam antecipadamente que algum desconforto está acontecendo conosco perante a situação e de que precisamos responder antecipadamente à situação para evitar problemas.  

A palavra “nova” foi colocada entre aspas intencionalmente porque essas informações internas de fato sempre existiram e o nosso elefante interior sempre soube disso. Porém, o nosso executivo interior não era capaz ainda de percebê-las nem de interpretá-las. 

Logo, a percepção consciente do momento presente aprimorada pela meditação da consciência plena pode nos ajudar a identificar mais facilmente os espaços  para aperfeiçoar as nossas decisões, gerando e levando “novas” informações  diretamente ao nosso executivo interior.  

Portanto, são esses espaços criados pelo momento presente o lócus onde podemos  escolher como agir, a responder ao invés de reagir por impulso. É o lugar onde  reside o poder do nosso executivo interior, do exercício do autocontrole, do espaço para mudança dos nossos comportamentos e hábitos. É o ponto de partida no qual podemos desenvolver a melhor versão de nós mesmos. 

 

Referências 

[1] DAFT, Richard L. O executivo e o elefante: um guia de liderança para atingir a excelência interior. (COMPRE AQUI)

[2] COSENZA, Ramon M. Porque não somos racionais: como o cérebro faz escolhas e toma decisões. Porto Alegre: Artmed, 2016. p. 107; 45. 

[3] AMTHOR, Frank. Neurociência Para Leigos. 2ª ed. Rio de Janeiro: Alta Books, 2017. Versão eletrônica. 

[4] Funções executivas. In: Tremblay R. E., Boivin M., Peters R. DeV., eds. Morton JB, ed. tema. Enciclopédia sobre o Desenvolvimento na Primeira Infância [on-line]. <http://www.enciclopedia-crianca.com/sites/default/files/dossiers-complets/pt-pt/funcoes-executivas.pdf>. Atualizada: Janeiro 2013. Acesso em: 08/04/2020. 

[5] EYSENCK, Michael W.; KEANE, Mark T. Manual de Psicologia Cognitiva. 7ed. Porto Alegre: Artmed, 2017. 

[6] Tang, Yi-Yuan; Holzel, Britta; Posner, Michael. The Neuroscience of Mindfulness Meditation. Nature Reviews Neuroscience. AOP, published online 18 March 2015; doi:10.1038/nrn3916. 

[7] TANG, Yi-Yuan. The Neuroscience of Mindfulness Meditation: How the Body and Mind Work Together to Change Our Behaviour. Palgrav Macmillan, 2017. 

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