Meditação, empatia e comunicação eficaz
É muito comum em uma conversa, antes mesmo de ouvirmos tudo o que outro nos tem a dizer, já entrarmos no modo automático ou de julgamento, onde antecipamos mentalmente a resposta do outro porque “já sabemos” do que se trata, mesmo antes dele concluir.
Fazemos isso porque não notamos que nos enredarmos em pensamentos e comportamentos automáticos nos quais muitos deles podem ser oriundos de sentimentos de medo, ansiedade, vergonha, raiva, mágoa, repugnância ou desprezo. Se não reconhecemos e percebemos a insegurança por trás de nossos impulsos, fechamos a cortina do palco do outro antes mesmo de ele encerrar a trama. É como se antecipássemos ao desenlace da história sem o completo conhecimento do último capítulo.
Esse hábito de projetar antecipadamente para o outro aquilo que pensamos ser a verdade ou a melhor solução do problema representa uma barreira à comunicação eficaz em todas as dimensões das relações: pessoal, familiar, social e profissional. Essa antecipação, na grande maioria das vezes, não reflete (e nem poderia refletir) a realidade que a situação exige porque, de fato, o fio da história foi perdido.
Talvez já tenha percebido que o nosso maior desejo em uma conversa ou reunião é o de uma escuta atenciosa, empática, e menos de receber uma opinião ou resposta julgadora.
Pedimos simplesmente para ser ouvidos!
Esse exemplo nos mostra a dificuldade geral de que as pessoas têm em ouvir o outro sem avaliá-lo ou julgá-lo. Relutam em se colocar na posição de ouvinte de forma empática, em se abrir para a realidade que se coloca visando compreendê-la na perspectiva do outro.
Aprender a sermos mais empáticos é uma estratégia poderosa para melhorar tanto as nossas relações quanto aprimorar o nosso conhecimento. James Kouzes e Barry Posner [1] revelam que:
Não surpreendentemente, a empatia e o aprendizado estão positivamente relacionados. Sua habilidade de entender os outros, colocar-se no lugar deles, adotar suas perspectivas e ter mente aberta e sem julgamentos sobre a experiência dos outros melhoram as habilidades de pensamento crítico. Também promove ideias, desencoraja a identificação precipitada de problemas e a rigidez, encoraja a flexibilidade e reduz o estresse. Todos esses benefícios são bem-vindos em qualquer lugar, mas a empatia se torna uma habilidade ainda mais valiosa à medida que o local de trabalho se torna mais global.
Aprender a se relacionar de forma empática em um processo de comunicação é onde nasce a arte da relação interpessoal. A comunicação empática melhora os relacionamentos porque trazem as pessoas que são importantes para o nosso lado. Quando partilhamos aceleramos o processo de aprendizado de ambos porque aprendemos a construir relações ganha-ganha, em que todos se satisfazem apesar dos interesses diversos e das diferenças de opiniões.
É como na sabedoria do autor desconhecido: “Sozinhos chegamos mais rápido. Juntos vamos mais longe.”
Uma coisa leva a outra: a empatia melhora a qualidade da comunicação e aprimora as relações interpessoais; essas relações ampliam o círculo de contatos (Networking) propiciando um maior número de trocas entre conhecimentos e experiências estimulando o aprendizado; os novos conhecimento fortalecem a empatia e o ciclo virtuoso se reinicia em novo patamar como em um espiral ascendente.
Para James Kouzes e Barry Posner [1] a empatia é uma regra de ouro que transcende o fazer pelos outros o que gostaria que fizessem por você. O porquê disso está em perceber que pessoas normalmente têm gostos e preferencias diferentes das nossas e essas diferenças se multiplicam em um ambiente multicultural ou globalizado. A empatia quebra essas barreiras à comunicação porque:
Pessoas empáticas têm um interesse insaciável nos outros e permanecem abertas e animadas em aprender com as experiências e perspectivas alheias, por mais diferentes que possam ser das suas próprias. [1]
Algumas pessoas são naturalmente mais abertas ou empáticas que outras. Somos todos diferentes quanto aos temperamentos e personalidades. Apesar disso, as barreiras ao aprimoramento da empatia podem ser rompidas. Mas não existe almoço grátis!
Para se tornar melhor em qualquer coisa é preciso se colocar à prova, assumir tarefas desafiadoras, sair da zona de conforto, experimentar novas formas de fazer as coisas, treinar e aprender com o erro e o fracasso. Sem esforço, foco e persistência nada mudamos.
É com esse espírito de desafio e curiosidade que a meditação da consciência plena, dentre outras práticas de mindfulness, podem ser uma ferramenta útil nesse processo de aprendizado. Vejamos então a razão disso.
Como a meditação da consciência plena pode aumentar a nossa empatia?
A empatia pode ser aprimoram por meio da meditação da consciência plena e de diversas outras práticas de mindfulness (yoga, Tai, Chi, Qigong etc.) porque essas atividades desenvolvem ou aprimoram a autoconsciência. Quando meditamos regularmente e praticamos exercícios de mindfulness desenvolvemos a perspectiva da atenção consciente do momento presente em que aprendemos:
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a entrar em contato com o que se passa dentro de nós, aprimorando a autoconsciência;
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a orientar e a manter a nossa atenção de forma intencional para aquilo que é relevante no momento, melhorando a qualidade e o controle da nossa atenção;
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a identificar os nossos pensamentos automáticos e a discernir que nem todos eles nos representam ou são mesmos verdadeiros;
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a sentir e a identificar as nossas emoções;
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a perceber que os estados gerados pelas emoções são passageiros e que não precisamos nos identificar nem nos deixar levar por eles;
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a aprimorar a nossa capacidade de controlar nossos impulsos e emoções.
Alguns estudos têm identificados que desenvolver a atenção e a conscientização aprimoradas e ampliadas do momento presente com curiosidade, aceitação, compassividade e não julgamento aumenta a nossa autoconsciência porque [2]:
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podem alterar a forma de como nos relacionamos com nossas próprias experiências internas (pensamentos, sentimentos, sensações, memórias), estimulando e aprimorando a autoconsciência e a regulação emocional saudável;
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reduzem a intensidade da angústia associada à ansiedade;
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aprimoram a recuperação emocional, ajudando na percepção da situação além da ameaça;
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diminuem o processamento autorreferencial negativo automático (preocupação, ruminação ou autocrítica) que muitas vezes perpetua o sofrimento emocional;
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ajudam a desenvolver comportamentos voltados a objetivos e a abster-se de ações impulsivas mesmo diante de emoções intensas.
Logo, é por isso que a meditação da consciência plena bem como outras práticas de mindfulness têm o poder de melhorar a qualidade da nossa comunicação, gerando equilíbrio no diálogo. A prática regular não só modifica a nossa capacidade de ser empáticos como também modifica diversas variáveis psicológicas relacionadas a modulação emocional, a escuta e a compaixão [3] [4] [5].
Na prática, a meditação e as atividades que leva intencionalmente ao momento presente aprimora a nossa percepção sobre as diversas barreiras internas que dificultam a comunicação: nossos impulsos e hábitos internos decorrente de crenças e/ou sentimentos de medo, ansiedade, raiva, dúvida etc. são exemplos disso.
É como na filosofia de Sócrates: “Conhece-te a ti mesmo”.
Não se pode decidir melhorar algo dentro si mesmo que não é percebido, sentido e trazido à consciência. Aprendemos primeiro a olhar para o que acontece dentro de nós mesmos para perceber nos outros o que temos de melhor.
Portanto, desenvolver a percepção consciente de si mesmo, a autoconsciência, que pode ser aprimorada pela meditação da consciência plena, facilita o florescimento da mais humana de todas as habilidades, a empatia.
A empatia é habilidade emocional fundamental para o aprimoramento das relações e influencia diretamente na formação de conexões significativas e na construção de relacionamentos mais saudáveis, seja em família, no trabalho ou nas relações sociais.
Líderes que têm essa habilidade desenvolvida se apresentam com vantagem em relação aos que não a têm. Da mesma forma, pais e mães empáticos estão mais aptos a desenvolver relacionamentos familiares saudáveis. Talvez, a nobreza desses motivos por si sós sejam suficientes para levá-lo a pensar sobre a importância de inserir pitadas de mindfulness em sua vida. Fica a dica!
Referências
[1] Kouzes, M. James e Posner, Barry Z. Aprendendo a liderar: os cinco fundamentos para se tornar um líder exemplar. Rio de Janeiro: Alta Books, 2017. [pgs. 143-144]
[2] Roemer, Lizabeth & Williston, Sarah & Ward, L.. Mindfulness and Emotion Regulation. Current Opinion in Psychology (2015). 3. 10.1016/j.copsyc.2015.02.006.
[3] MARTÍ, Ausiàs Cebolla; DEMARZO, Marcelo; GARCÍA-CAMPAYo, Javier. Mindfulness e ciência: da tradição à modernidade. São Paulo: Palas Athena, 2016.
[4] Anna Ridderinkhof, Esther I. de Bruin, Eddie Brummelman & Susan M. Bögels (2017) Does mindfulness meditation increase empathy? An experiment. Self and Identity, 16:3, 251-269, DOI: 10.1080/15298868.2016.1269667.
[5] Luberto, C.M., Shinday, N., Song, R. et al. A Systematic Review and Meta-analysis of the Effects of Meditation on Empathy, Compassion, and Prosocial Behaviors. Mindfulness 9, 708–724 (2018). https://doi.org/10.1007/s12671-017-0841-8.